SABOTADOR

 A missão a ser realizada no terceiro voo do VLS era diferente dos outros 2 anteriores.  Nos Voos 01 e 02 a trajetória era praticamente plana para o norte, enquanto para o voo 03 deveria fazer uma manobra para o sul.  Essa manobra seria uma virada de em torno de 20 graus e isso não seria permitido medir com a plataforma inercial que controlava o veículo.

Eu propus então uma solução que chamei de azimute virtual (foi publicado em congresso internacional).  Era uma maneira de “enganar” a plataforma inercial ao informá-la que estava saindo de -10 graus em vez de zero e com a manobra de +20 chegaria a +10 graus.  Ou seja, tudo dentro da faixa de medida do sensor.  Essa estratégia não apenas foi explicada para a gerência do projeto como foi exaustivamente ensaiada em simulação digital e hardware-in-the-loop.  Funcionava perfeitamente.

Durante a campanha de lançamento (agosto de 2003) apareceu um problema na inicialização da plataforma inercial.  Posteriormente, descobrirmos tratar-se de um desalinhamento mecânico ocorrido durante a montagem do foguete na rampa de lançamento.

Entretanto, enquanto não chegávamos a essa conclusão, meu velho “amigo” Kruger não perdeu a oportunidade.  Ele se dirigiu ao chefe da campanha de lançamento para me denunciar que eu havia sabotado a trajetória do VLS e que ela não iria funcionar!!!

Evidentemente que a área técnica, que sabia do que se tratava, não deu a mínima importância a mais essa imbecilidade de Kruger.  Mas eu dei.  Ele estava me chamando de sabotador e, portanto, de estar perpetrando um crime.  Como eu não estava em Alcântara e sim em São José dos Campos não poderia me contrapor a ele.  Mas nem precisava.  Como havia testemunhas daquele absurdo eu me propus a esperar seu retorno e entrar na justiça contra ele.

Eu já estava farto de 16 anos de perseguição (começou quando assumi a chefia da subdivisão de controle em 1987) e as autoridades do instituto nada faziam em minha defesa.  Restava então a eu mesmo dar um basta nisso.  Durante esse tempo, Kruger já havia me perturbado me acusando por todo tipo de incompetência e até de suspeita de alguma atividade não ética (vide post Cumprindo minha Obrigação).  Mas dessa vez era diferente.  Afinal falsa denúncia de crime é crime e eu iria processá-lo por isso.

Infelizmente, na semana seguinte, aconteceu o trágico acidente que vitimou 21 colegas meus.  Em face da consternação geral que se instalou, meu problema pessoal com Kruger se diluiu em nada.  Estranhamente, entretanto, isso marcou um divisor de águas.  Kruger nunca mais me perturbou!

Certamente o acidente também teve um grande impacto sobre vida dele.  Não sei, contudo, o porquê que isso acabou por me beneficiar.  Parece que eu desapareci de sua mente.  Em vista disso eu também desisti de processá-lo e toquei minha vida.  Quando me aposentei em 2015, fazia anos que não o via, nem tinha mais notícias dele.

Caminhos estranhos e incompreensíveis que trazem coisas boas mesmo diante de uma grande tragédia. 

E sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito.   Romanos 8:28

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