NERO

 Até o meio da década de 90, enquanto ainda vigorava as determinações do Eng. Boscov, a documentação técnica do projeto VLS era algo levado muito a sério.  Havia uma enorme sala de paredes de vidro, carinhosamente chamada de aquário, onde se encontravam enormes estantes lotadas de relatórios.  Além disso, dentro do aquário, ficava uma secretária específica para cuidar da documentação do projeto – da sua formatação, controle e distribuição.

Com o passar do tempo, a documentação já não tinha mais tanta prioridade e o próprio aquário passou a sediar outro projeto.  Enquanto aquela documentação já produzida e cadastrada foi transferida para uma sala, dentro do mesmo prédio.  Para mim isso era indiferente pois eu tinha, dentro da minha subdivisão, cópia de todos os relatórios emitidos pela mesma, desde o início do instituto.

Em um certo dia de 2005, um dos meus subordinados me procurou com um relatório nas mãos mostrando que faltava uma página nele.  Ou seja, quando foi feita cópia do original (que não era digital) foi esquecida uma folha.  Eu lhe disse que deveria procurar a sala de documentação e tirar a cópia da folha que faltava. 

Qual não foi a minha surpresa quando aquele funcionário voltou dizendo que não havia mais nenhum documento pois haviam posto fogo neles!!  Achei aquilo inverossímil e pedi que ele investigasse melhor o ocorrido.  No dia seguinte, então, fiquei sabendo que o chefe da divisão à qual pertencia a sala onde ficava a documentação do projeto precisou da mesma.  Não sabendo o que fazer com aquela quantidade de documentos, mandou destruir tudo.

Imediatamente eu comuniquei o ocorrido, através de uma parte, à direção do instituto.  Aquilo era um crime de lesa pátria, uma vez que o principal produto do instituto, que era o registro do conhecimento produzido, havia sido destruído.  O assunto rapidamente correu pelo instituto e passaram a chamar o chefe da divisão que deu aquela ordem de Nero (o tal imperador louco que pôs fogo em sua própria capital enquanto assistia tocando lira de um terraço).

O vice-diretor encaminhou a parte para o próprio Nero para que ele se posicionasse com respeito à denúncia feita.  Sua resposta foi a seguinte:  “segundo informações, a documentação teria sido destruída.”  Quando recebi o documento dessa resposta ridícula, imediatamente fiz tréplica:  “teria sido?  Foi ou não foi ?  se não foi, onde está ?  se foi, por ordem de quem? “  Nunca mais recebi nenhum retorno da parte!!  

Nero sorria quando passava por mim nos corredores do prédio.  Não sei se era uma forma de escárnio por sair ileso ou se achava realmente engraçado ter destruído o patrimônio intelectual de um instituto de pesquisa.

Até hoje não entendo nada ter acontecido.  Porque não deram importância para o fato ?  Será que eu estava errado em avaliar o que havia sido feito ?  Será que Nero estava respaldado por alguma autoridade superior ?  O que sei é que muitos funcionários comentaram que a destruição da documentação era só mais um exemplo da falta de seriedade com que se conduzia os trabalhos ali.

Não são as ervas más que afogam a boa semente, e sim a negligência do lavrador. Confúcio

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