TURISMO GRATUITO
Após a tragédia que aconteceu em Alcântara em 22 de agosto de 2003, muita coisa mudou no IAE. O processo investigativo do acidente apontou uma série de deficiências que deveriam ser sanadas. Uma das críticas feitas é que a Aeronáutica não priorizava a ida de seus oficiais engenheiros (formados pelo ITA) para o IAE. Não sei se em resposta disso, apareceu um grupo de oficias engenheiros oriundos do CPOR (Centro de Preparação de Oficiais da Reserva) para trabalhar no IAE, por um tempo determinado.
Foi nessa leva que apareceu na minha sala o Tenente
Norberto (nome fictício) formado em Engenharia de Automação e Controle em uma universidade
privada da região. Como a sua área de
formação era exatamente dentro do tipo de trabalho da subdivisão que eu
chefiava, fiquei muito contente de ter sua colaboração.
Norberto se apresentou naquela manhã e sentou-se em uma
mesa de reunião redonda que havia em minha sala. Comecei então a apresentar o trabalho que era
feito ali e o que eu esperava que ele fosse fazer para nos ajudar. Eu estava muito animado com a presença dele e
procurei apresentar a tarefa da forma mais motivadora possível. Estranhamente, entretanto, ele se manteve
sisudo, sem expressar nenhuma emoção com o que eu falava. Em minha mente eu pensava: caramba parece que
não estou agradando...
Quando terminei de explicar o que eu esperava que ele
fizesse, perguntei a ele: então entendeu tudo ?
gostou do trabalho? Veio, então,
a surpresa. Ele respondeu secamente: “Vou
pensar se eu aceito.” Imediatamente eu lhe
repliquei: “Eu não lhe dei essa
alternativa!” Completei o raciocínio: “Imagine
se você estivesse na Embraer e o seu chefe lhe desse uma tarefa e você respondesse
que iria pensar. O que você acha que
aconteceria ? Você seria demitido
imediatamente.”
Norberto não se abalou e disse com a maior desfaçatez: “Eu quero trabalhar em um lugar onde eu vá
para o exterior.” Me controlei para não
dizer o que pensava sobre seu caráter e fiz questão de explicar: “nesse grupo
as pessoas viajam para o exterior por necessidade de trabalho e por merecimento. Não porque queiram fazer turismo gratuito.”
Encaminhei Norberto imediatamente para o chefe a divisão o
Dr. Paulo Moraes (já falecido) relatando o ocorrido e dizendo que ele se
livrasse daquele estrupício imediatamente.
Norberto foi trabalhar em outra divisão de onde foi mandado para fazer
um estágio na Rússia. Algum tempo depois
deixou o instituto. Ele havia conseguido
o que queria.
Casos como o de Norberto eu vi muitos. Profissionais cujo objetivo não é ganhar seu
sustento produzindo para a instituição e evoluindo em conhecimento, habilidade
e produtividade. Estão ali para aproveitar
oportunidades sem qualquer compromisso com os objetivos institucionais. Querem tirar proveito de tudo sem produzir
praticamente nada de concreto. A não ser
abrir novas oportunidades. Cheguei até
mesmo a ouvir uma expressão jocosa PGV – projeto gerador de viagens. Referindo-se a projetos cuja finalidade principal
era viagem ao exterior e não seu objetivo intrínseco.
De minha parte, jamais permiti que pessoas com essa índole
prosperasse sob minha responsabilidade.
Embora isso não impedisse que acontecesse constantemente (haja visto o
caso que acabo de descrever). Na maioria
das vezes devido à omissão ou condescendência das chefias.
Sempre
que se permite o mal prevalecendo sobre a decência e nada se faz a respeito,
fica-se refém de quem o pratica, aceita-se o medo colocado acima da dignidade,
e ganha-se o desprezo dos que o testemunham por conta de uma covardia
degradante e injusta.
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