BARATO QUE SAI CARO

Após o acidente com o VLS em 2003, buscou-se uma consultoria com especialistas russos para avaliação do projeto.  A empresa encarregada dessa consultoria situava-se em uma cidade no interior da Russia chamada MIASS.

Para chegar em Miass não era fácil.  O aeroporto mais próximo ficava em Ecaterimburgo, 4 horas de viagem de carro até Miass.  A própria cidade de Ecaterimburgo tinha apenas 2 voos semanais para Frankfurt (Alemanha).  O restante eram voos domésticos.

Assim, o caminho mais rápido e direto era um voo São Paulo – Frankfurt e, em seguida, Frankfurt – Ecaterimburgo.  Depois disso, 4 horas de viagem de carro até Miass (um sacrifício e tanto).

Uma equipe de engenheiros do IAE estava em Miass quando minha presença foi solicitada.  Até aí tudo bem.  Quando fui pegar as passagens descobri uma novidade.  A pessoa que comprava as passagens descobriu que a viagem até Frankfurt pela Lufthansa ficava mais cara do que fazer conexão em Lisboa pela TAP.  O argumento era que deveria ser seguido o princípio de economia dos recursos públicos.

Em uma viagem que já era cansativa ficaria ainda pior.  Eu teria que fazer 3 voos em vez de 2, até a bendita viagem de carro de 4 horas até Miass.  Lá fui eu em mais uma aventura, sem saber o que me esperava. 

Me dirigi ao aeroporto de Guarulhos e recebi a notícia, no balcão da TAP, de que o aeroporto de Lisboa estava em greve e que eu não poderia embarcar para Frankfurt.  Como o voo para Ecaterimburgo só tinha 2 vezes por semanas, isso atrasaria a viagem em 4 dias.  Liguei para meu diretor explicando os fatos.  Eu já estava achando de que a viagem seria cancelada.  Entretanto, o diretor mandou que eu fosse mesmo assim, pois ele iria pedir que parte da comitiva ficasse me esperanto em Miass, uma semana a mais.

Lá fui eu para Lisboa e só cheguei em Frankfurt quando o avião para Ecaterimburgo já havia partido.  O pessoal da Lufthansa foi extremamente solícito e ofereceu uma solução alternativa.  Eu ficaria uma noite em Frankfurt e na manhã seguinte voaria para Moscou.  Após o quê, eu pegaria um voo doméstico para Ecaterimburgo no mesmo dia.  Assim eu não precisaria esperar 4 dias para o próximo voo.  Foi o que foi feito.

Pode parecer algo simples – só que não.  Inicialmente eu deveria ter feito 2 voos até meu destino.  Devido à economia da passagem, agora eu faria 4 voos (Guarulhos- Lisboa, Lisboa-Frankfurt, Frankfurt-Moscou, Moscou-Miass).  Acontece que o aeroporto para voo doméstico era outro e eu deveria me deslocar até lá e pegar o avião na pista e não através de “fingers”.  Havia também um pequeno detalhe, estava tudo coberto de neve com a temperatura próxima de -30° (ao subir a escada que dava acesso ao avião na pista, queimei uma das mãos no corrimão metálico que estava gelado).

Uma viagem que deveria tem levado 2 dias levou 4 com um custo financeiro enorme, pois uma parte da equipe teve de ficar me esperando, dado todo aquele atraso.  Isso sem contar o intenso desgaste físico.  Esse foi mais um exemplo do barato que sai caro – muito caro (principalmente para minha saúde).

Imagino que o funcionário(a) que tomou a decisão de não comprar o ticket para Frankfurt (embora toda a equipe que fora antes tenha feito isso) por ser um pouco mais caro, devia achar que cumpriu o seu dever.  Mesmo tendo causado um transtorno enorme para com a missão em si e prejuízo financeiro ao erário.  Isso porque não se olha o objetivo a ser alcançado e sim cumprir as regras burocráticas de forma imbecil e alienada.  Ao se focar no objetivo, a parte financeira é apenas um dos parâmetros de avaliação.  O tempo de trânsito e o desgaste pessoal também importam para o bom cumprimento da missão.  Se fosse hoje eu me recusaria a embarcar.

À medida que acumulam poder, as burocracias se tornam imunes aos próprios erros. Em vez de mudar sua história para se adequar à realidade, elas são capazes de mudar a realidade para adequá-la a suas histórias.  Yuval Noah Harari

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