PIKARETTA

 O projeto SIA, como mencionado anteriormente, deveria ser um desafio tecnológico grande.  O objetivo maior era implantar uma infraestrutura em tecnologia de navegação inercial no país.  Entretanto, ao contrário do que se possa imaginar, os maiores obstáculos que tive que superar não foram técnicos.  Foi durante minha gestão o SIA que percebi o quão mafioso é o relacionamento das empresas com o poder público.  Apesar de todo os rigores da legislação, conseguem um esquema de tirarem vantagem indevidas, indecentes e desonestas.  Isso me mostrou que o tal rigor só servia para atrapalhar quem queria trabalhar, mas não impedia quem queria roubar.

Obviamente não foram somente esses tipos de problemas que enfrentei.  Um funcionalismo acostumado a direitos protecionistas e sem necessidade de apresentar resultados, também foi muito desgastante, como verão ao longo das próximas postagens.

Logo que assumi a gerência do SIA, eu já tinha planejado a construção de um grande laboratório que deveria conter a tal infraestrutura objeto do projeto.  Mas para isso eu precisava de um prédio próprio.  Acontece que não havia previsão de recursos do projeto para esse fim, somente para pequenas reformas.  Assim tive que depender de processo licitatório do próprio instituto para a obra.

O projeto previa a construção/reforma de um prédio de salas e a construção de um grande prédio laboratório (que mais tarde seria chamado LINCS).  O processo teve como vencedora a empresa PIKARETTA – nome fictício, evidentemente, mas que descreve bem o caráter da empresa e de seus donos. 

Até aquele momento, eu ingenuamente imaginava que dado um projeto pronto para uma empresa construtora ela simplesmente fosse lá o construísse o que estava previsto.  Mas não era bem assim.  Foi quando comecei a entender como as coisas acontecem.  Eles faziam o que queriam, do jeito que queriam e no tempo que queriam.  Depois apresentavam uma “medida” do que já haviam feito (normalmente um percentual irreal) e queriam receber.  Obviamente deveria haver acompanhamento de algum responsável institucional que raramente aparecia na obra.  Acontece que seguindo essa metodologia, estava claro que iriam receber todo o dinheiro da obra sem terminá-la.

Como comecei a perceber que a obra não andava, passei visitá-la diariamente.  Comecei, então, a notar coisas absurdas.  Os funcionários quase nunca eram os mesmos.  Eram trocados quase que diariamente e, em sua maioria, não demostravam que sabiam o que estavam fazendo.  O material utilizado era de má qualidade.  Claramente o serviço estava ficando péssimo.  Os erros de engenharia eram claros.

Formalmente, eu nem deveria estar ali já que a responsabilidade do acompanhamento deveria ser do instituto.  Entretanto, eu precisava fazer alguma coisa pois seria eu quem iriam “herdar” aquela porcaria.

Numa primeira abordagem eu tentei me aproximar dos funcionários da Pikaretta e do mestre de obras.  Procurava dar algum tipo de orientação ou perguntar como pretendiam fazer as coisas.  Era preciso me fazer presente para mostrar que alguém estava olhando.  Não deu muito certo.  Eles sabiam que eu não tinha nenhuma autoridade de estar ali e não davam a mínima para a minha presença.

Não era apenas uma questão de capricho de minha parte.  Haviam metas a serem atingidas que seriam cobradas pela FINEP.  Além do mais, equipamentos estavam sendo adquiridos no exterior.  Onde eles ficariam quando chegassem ? Como montar uma equipe especializada se nem local físico tínhamos ?  A partir daí comecei a fazer reclamações diretamente à administração do instituto sobre o que estava acontecendo.  Finalmente, me enchi de razão e dei uma parte descrevendo a situação e solicitando a imediata suspensão do contrato com a Pikaretta.

O resultado foi um dos episódios mais icônicos da minha carreira, que será descrito na próxima postagem.  Por ora, o que posso dizer é que foi uma declaração de guerra que se arrastou por quase 3 anos.

Os grandes feitos são conseguidos não pela força, mas pela perseverança.  Samuel Johnson

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