AS PLAQUINHAS

Algum tempo antes de assumir a gerência do projeto SIA, eu havia recebido a “herança” de um projeto que tinha o objetivo de fazer uma plataforma inercial com girômetros mecânicos.  Esse projeto estava em outro instituto, levado para lá por um ex-diretor.  Pretendia-se, primeiramente, desenvolver o sensor (girômetro DTG dry tuned gyro) para então fazer a plataforma completa.  Esse erro de estratégia era recorrente e nunca se chegava a lugar algum.

Quando um novo diretor assumiu resolveu transferir o projeto para o lugar certo e minha subdivisão recebeu todo o material que havia sido comprado para aquele projeto.  Havia, literalmente, centenas de milhares de dólares em equipamentos e material de consumo (material altamente especializado e caro).  Para minha surpresa aquele material visava a produção de cerca de 100 unidades da tal plataforma para a qual nem existia em projeto. 

Como eu não pretendia me envolver com nenhum desenvolvimento daquele tipo de sensor, procurei doar todo aquele material caríssimo para quem pudesse utilizá-lo.  Guardei o material que teria utilidade para o nosso desenvolvimento.  Uma parte dele ficou armazenado no almoxarifado do meu instituto.  Tratava-se de 5 plaquinhas de alumínio aeronáutico.  Chamo de plaquinhas de forma a chamar a atenção para aquilo que não eram.  Tinham 7 metros de comprimento com 15cm de espessura, pesando aproximadamente meia tonelada cada.

Quando assumi a gerência do SIA, fiquei sabendo que haviam reclamado de sumiço de material do almoxarifado.  Como eu sabia do valor das “plaquinhas”, resolvi ir pessoalmente ao almoxarifado olhar.  Estranhamente não me deixaram entrar e me disseram que eu deveria fazer uma requisição formal.  Foi o que eu fiz.  Assim, fui informado de que as 5 “plaquinhas” haviam desaparecido.

Imediatamente fiz uma parte denunciando o furto das placas.  No texto fiz questão de acrescentar de que aquele material não poderia sair na mala de um carro, muito menos no bolso de alguém.  Teria que ser transportado de caminhão e colocado neste por algum tipo de equipamento pois precisaria no mínimo 10 homens para erguer cada uma.  Ou seja, era trabalho de quadrilha.

Na minha opinião, tratava-se de um crime comum e não um crime militar e deveria estar a cargo de um delegado de polícia.  Entretanto, foi aberto um inquérito onde foi designado um oficial para presidi-lo.  Algum tempo depois recebi uma resposta formal, dizendo que o inquérito havia concluído que, de fato, o material havia desaparecido, mas não se apurou como nem por quem.  Ou seja, não deu em nada.  Apenas prejuízo para o erário e ficou por isso mesmo.

Isso me faz lembrar o desaparecimento das vigas de sustentação do viaduto da praça XV no Rio de Janeiro.  Quando eu estudava no IME passava, por baixo delas todos os dias.  Eram enormes.  Cada uma pesava muitas toneladas – dezenas de metros de comprimento de aço naval caríssimo.  Após o viaduto ser desmontado essas vigas desapareceram sem ninguém ver.  Interessante que eram tão grandes que daria para ser localizadas por satélite.

Certamente que dezenas (ou mais) de pessoas participaram diretamente ou indiretamente do furto.  Outras tantas presenciaram e simplesmente se calaram.  Com as minhas “plaquinhas” não foi diferente.  É claro que o pessoal do almoxarifado sabia o que tinha acontecido, mas ninguém quis se envolver.  Não apenas pela postura do “eu não tenho nada com isso”, mas também pela certeza de os processos investigativos não dariam em nada.

O que essas pessoas não percebem (ou não querem perceber) é que, com essa atitude, se tornam cúmplices.  Essas mesmas pessoas criticam os políticos, o governo e por fim o próprio país.  Mas eles mesmos são parte do problema e não da solução.

Me lembro de um slide de uma apresentação gerencial em que aparece o navio viking do personagem Hagar o horrível.  O navio está com um furo na popa jorrando água pra cima e alguém vem correndo avisar ao Hagar, que está tranquilamente senta no proa.  Então Hagar lhe diz:  fique tranquilo, o furo está do lado deles...

Pois é, não importa onde está o furo, o navio inteiro irá afundar.  Estamos fazendo água faz tempo.

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