O COITADO

 A implementação das compras do Projeto SIA era muito eficiente.  Fazíamos um pedido através do “site” da FUNDEP, eles faziam as compras que eram entregues diretamente a mim.  Esse “diretamente” significava que a empresa transportadora ia até a portaria do IAE e, de lá ligavam para mim e então alguém ia buscar.  Após isso, eu autorizava o pagamento pela FUNDEP.

Em um certo momento, compramos uma parafusadeira elétrica portátil para nossas montagens.  A FUNDEP entrou em contato comigo que a empresa fornecedora estava cobrando o pagamento da mesma, embora eu não houvesse ainda recebido o equipamento.

Liguei para a empresa e fui informado da data e hora da entrega.  Também fiquei sabendo que havia sido entregue em um almoxarifado dentro do CTA.  Então fui atrás de onde havia sido recebido a tal parafusadeira.  Havia 3 possíveis lugares, o mais provável era o almoxarifado do ITA que ficava mais perto da portaria do CTA.

Telefonei para o local e falei com seu responsável o funcionário Crespácio (nome fictício).  Perguntei a diretamente a ele se ele estava no local na data e horário que me havia sido passada pela empresa.  Ele confirmou que estava lá sim e não havia recebido nada.  Insisti:  tem certeza ?  Não há nenhuma possibilidade de você ter esquecido de nos comunicar ou ter entregue para outra pessoa?  Ele respondeu categoricamente que não.

Liguei novamente para a empresa fornecedora da parafusadeira e perguntei qual comprovação eles tinham da entrega.  Eles me enviaram a cópia do recibo de entrega assinado.  Constava o nome completo e assinatura de Crespácio, bem como seu RG.  Tudo escrito manualmente pelo recebedor.

Tive o cuidado de perguntar como era o pacote e fiquei sabendo que ele não estava embrulhado.  O pacote da parafusadeira estava claramente exposto o que havia dentro (ou seja, um objeto de desejo).  Não tive dúvida.  Crespácio havia ficado com o equipamento, achando que iria ficar por isso mesmo. 

Consegui o telefone da chefe de Crespácio, a capitã Hotelenda (nome fictício).  Liguei para ela e expliquei o que havia acontecido e que eu tinha prova documental de que Crespácio havia se apossado do meu equipamento.  A resposta de Hotelenda até hoje ecoa em minha mente:  Coitado! Ele tem problemas com bebida! “

Acho que meu coração deve ter tido uma extra-sístole naquele momento.  Fiquei tão indignado que nem deixei mais Hotelenda falar.  Repliquei:  “isso não dá o direito a ele de ser ladrão.”  Continuei:  Capitã eu acabo de lhe comunicar um furto, da qual tenho prova, cometido por um civil.  Isso é caso de polícia.  Em respeito à instituição, vou lhe dar até sexta-feira (era segunda-feira) para que esteja em cima da minha mesa, uma parafusadeira idêntica à que foi comprada.  Não tenho a mínima idéia como você vai fazer isso.  Mas se não acontecer, farei um boletim de ocorrência e na segunda-feira a polícia vai bater aí.  Após isso desliguei.

Na quinta-feira, havia uma parafusadeira em cima da minha mesa.  Não sei se era a original roubada ou se alguém comprou outra para repor.  Dessa vez não fiquei no prejuízo.  O material desaparecido, apareceu.  Já o Crespácio não sei o que lhe aconteceu.  Provavelmente deve ter recebido a recomendação de beber menos.  Afinal de contas era uma vítima – de si mesmo!

Esse episódio respalda o que eu disse na postagem anterior.  Há uma mentalidade estranha em nossa sociedade (eu vi isso no serviço público onde trabalhei, mas deve estar presente fora dele também) em ver os infratores como coitadinhos ou vítimas.  Um amigo meu chamou isso de “bom-mocismo”.  Ninguém quer ser visto com mauzinho, todos querem ser vistos como bons moços.  Na verdade, isso já embute a idéia de que punir o mal-feito não é correto e sim uma atitude de incompreensão e insensibilidade.

Punir foi, em todos os tempos, uma forma de coibir o mal na vida da sociedade.  Quem faz o mal deve ser punido sempre, do contrário a distinção entre bem e mal desaparece da cultura e instala-se na sociedade o tanto faz. E é necessário premiar o bem. (www.cnbb.org.br/seguranca-e-punicao)

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