BESOURO
Finalmente, a reforma do prédio de salas chegou ao fim, com todas as salas mobiliadas e operacionais. Diante das enormes dificuldades enfrentadas com a empresa Pikaretta, encarregada da reforma, e da má vontade dos funcionários tratava-se de uma grande vitória. Assim, eu resolvi fazer uma inauguração dessa parte da obra – faltava a construção do laboratório contíguo.
Não se tratava, na
verdade, da inauguração de nada. Do ponto
de vista da obra em questão, era a conclusão de apenas uma parte. O que faltava era muito maior – a construção
e operacionalização de um grande laboratório de testes de sensores e sistemas
de navegação inercial. Assumir aquele
prédio, sem que a obra total contratada estivesse concluída, era uma estratégia
de pressionar a Pikaretta de fazer o trabalho dentro do prazo e, estando bem ao
lado da obra, que fosse feito da maneira correta. Assim, convidei o Vice-Diretor de Projetos do
DCTA (Brig. Venâncio), responsável pelo acompanhamento do Projeto SIA, para esse
evento.
Finalmente chegou o
dia. Fizemos preparativos para causar a
melhor impressão possível – tudo no seu devido lugar, limpeza e organização
impecáveis. Tudo cheirava a novo. Pouco antes da hora marcada com o Brigadeiro
Venâncio, chegou o vice-diretor do instituto o Coronel Nostradamus (nome fictício). Sua presença era obrigatória, dado à sua posição hierárquica em relação ao visitante convidado.
Recebi pessoalmente
Nostradamus na porta do prédio e o acompanhei ao adentrar. Curiosamente, ele entrou olhando para cima e
para os lados, como se procurasse alguma coisa.
Antes de chegar à sala de reunião, onde seria procedido o evento, Nostradamus
perguntou: esse prédio já foi recebido ?
Essa era uma pergunta
de ordem administrativa. Receber o
prédio significava que a comissão de obra que acompanha o contrato em execução
deveria assinar um termo de recebimento daquela parte da obra. Eu respondi tranquilamente que ainda
não. Então, Nostradamus disparou: então
vocês não podiam estar aqui !!
Essa colocação caiu como
um balde de água gelada sobre mim. Depois
de todo o esforço feito, enfrentado os mais diversos problemas (vide as
postagens anteriores), depois de me envolver em conflitos que não eram da minha
responsabilidade só para ver a obra concluída, em vez de receber algum tipo de reconhecimento (embora isso nunca tenha
sido a motivação), eu fui repreendido por ter feito algo que não podia.
Isso me fez lembrar uma
história que meu professor de física do pré-vestibular (curso Bahiense) contou. Segundo os estudos de aerodinâmica, o besouro
não podia voar. Ele não possui as
condições aerodinâmicas para fazê-lo.
Entretanto, o besouro não entende nada de aerodinâmica e bate suas asas
e sai voando. Eu era esse besouro! Não podia fazer mas fiz.
Não respondi nada à
colocação de Nostradamus, apenas o conduzi à sala de reuniões. Logo em seguida, chegou o Brig.
Venâncio. Reuni toda minha equipe e fiz
uma apresentação do que havia sido feito e quais os próximos passos. Ao final, Venâncio me parabenizou pela grande
vitória alcançada e que estava muito satisfeito com o andamento do projeto.
Evidentemente, fiquei
muito feliz com essas palavras mas meu coração estava ressentido do que eu
havia ouvido pouco antes. Ao agradecer
as palavras de Venâncio, aproveite para desabafar dizendo: “pois é Brigadeiro,
tem gente que não concorda. O Coronel Nostradamus,
por exemplo, acha que eu não devia estar aqui.”
Felizmente, não houve
nenhum eco para essa provocação. Eu
havia deixado o vice-diretor numa situação desconfortável. Reconheço que tenha sido um tipo de vingança
da minha parte. Hoje reconheço que eu
não devia ter falado aquilo. Não porque não
tenha sido verdade, mas porque isso não ajudava em nada com a situação. Não mudaria a maneira de ver as coisas de
Nostradamus nem facilitaria o progresso dos trabalhos que ainda faltavam (e eram
enormes). Isso só aumentou o desgaste da
minha pessoa para com ele.
Espero ainda poder
encontrar pessoalmente Nostradamus e lhe pedir perdão por essa e outras situações
em que lhe deixei em posição difícil (foram várias). Isso porque Nostradamus não mudou sua
cosmovisão e o besouro continuou voando.
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