O ABORTISTA

Na medida que a reforma do prédio de salas ia se aproximando do fim, era preciso tomar diversas providências para habitá-lo.  Com os recursos do projeto SIA, instalamos ar condicionado e cortinas em todas as salas.  Para a mobília foi diferente.  Antes da reforma do prédio, o mesmo era utilizado como depósito de mobiliário antigo.  Eu havia pessoalmente acompanhado seu esvaziamento e percebido que a maior parte da mobília, embora antiga, era de ótima qualidade.  Móveis de madeira que já não se fabrica mais.

Decidi, então, aproveitar o máximo que podia daquele mobiliário mandando reformá-lo.  Havia um setor que cuidava desse tipo de atividade, dentro do CTA.  Ao procurá-los percebi a mesma atitude descrita na postagem “SAM100 – AS JANELAS”.  Se disseram muito ocupados e que eu teria que fazer uma solicitação formal pelos canais competentes que, provavelmente, demoraria meses. 

Já conhecendo bem esse problema, eu ofereci pagar como serviço de terceiros para eles fazerem no fim de semana.  Em um fim de semana eles reformaram todas as mesas e estantes (que ficaram ótimas).

O próximo passo era colocar a cablagem dos telefones nas salas (tínhamos todos os aparelhos).  Nesse caso, havia um setor específico, dentro do instituto, que cuidava exatamente da instalação e manutenção da telefonia da organização.  Assim, solicitei formalmente o serviço desse setor.  No manhã seguinte, se apresentou o Clarismundo (nome fictício), um funcionário antigo do instituto.

Eu o recebi na porta de entrada do prédio e comecei a explicar o que eu precisava - que ele fizesse a conexão de uma dúzia de telefones espalhados dentro do prédio (um pra casa sala).  Enquanto, eu falava, ele olhava a fachada do prédio (que era térreo) como que procurando alguma coisa.  Então ele falou: “É vai ter que abortar a missão pois não há entrada de telefone no prédio.  Terá de ser construída primeiro”.

Achei aquilo muito estranho e argumentei: “Como pode ser isso ?  Eu já trabalhei nesse prédio anos atrás e havia ligação telefônica normal.  Como, então, ela chegou aqui ?”.  Foi só olhar com mais cuidado e a entrada que ele procurava ficava a cerca de 2 metros de onde estávamos, rente ao chão.

Ao adentrar ao prédio, para ver o que precisava ser feito, Clarismundo me saiu com outra, dizendo que teria que abortar a missão pois, primeiramente, seria necessário solicitar o número de pontos de telefone ao setor de telefonia.  Eu argumentei que não havia essa necessidade pois já haviam pontos ali anteriormente e foram retirados para a reforma do prédio.  Portanto, já estavam previstos.

Finalmente, Clarismundo disse que não havia material (cablagem) suficiente e, portanto, a missão deveria ser abortada.  Já estávamos no meio do ano e que deveria ser feita uma solicitação de compra.  Com a terceira tentativa de evitar ter que trabalhar, eu perdi a paciência e tive que falar grosso:  “Clarismundo isso que você está dizendo seria feito só no ano que vem.  Você não está entendendo.  Você vai fazer isso amanhã !  Eu quero que você me forneça a lista de material necessário até a hora do almoço e eu vou providenciar a compra (com suprimento de fundos do projeto) na parte da tarde.  Amanhã pela manhã você e sua equipe estejam aqui para começar o trabalho!”

Logo após o almoço eu liguei para Clarismundo cobrando a lista de material e ele me enviou por e-mail no meio da tarde.  Após o expediente, fui pessoalmente ao centro da cidade e comprei todo o material necessário.  No dia seguinte, Clarismundo apareceu com sua equipe e fez o que tinha que fazer, sem dar um pio.

Não sei dizer, ao longo da minha carreira, quantos funcionários encontrei que são pagos para executar uma missão e se esforçam por não fazê-la.  Muitos ficam totalmente ociosos e quando se pede para que façam algo diferente (já que não estão fazendo nada) dizem que se trata de desvio de função.  No caso de Clarismundo, houve um ponto de destaque o fato dele sempre utilizar a expressão “abortar a missão”.  Dentro da nossa equipe, passamos a nos referir a ele como “o abortista”. 

Fico imaginando se essas pessoas chegam ao fim do mês se achando muito espertas por terem trabalhado o mínimo possível.  E quando chegarem ao fim da vida ? Não terão construído nada.

“A virtude de uma pessoa pode ser vista no trabalho que ela executa” Sebastião Medeiros

Comentários

  1. O pessoal fala que um negativista tem alta taxa de sucesso sem fazer esforço, o positivista tem baixa taxa de sucesso com muito esforço. Juntando isso a outro ditado, "quem faz erra e quem erra não é promovido". Se a pessoa for acomodada, já sabe como atingir o sucesso.

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    1. Rafael é preciso definir o que é sucesso para essas pessoas. Não fazer nada e não ser apanhado pode ser um grande sucesso para elas. Critério de bandido

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