EXCESSO DE COMPETÊNCIA
Esse “causo” é uma contribuição do leitor “um pesquisador brasileiro”. Incentivo os demais leitores que queiram contar episódios semelhantes que me mandem no privado.
Em
uma prodigiosa universidade estadual, que chamaremos de UEBA, havia um setor
bastante demandado na administração. Esse
setor lidava com todos os processos solicitados por qualquer professor na UEBA
inteira. Para o leitor leigo no setor
público, processo significa qualquer solicitação formal, não tendo nada ver com
processo jurídico. Assim, nesse setor,
como em toda máquina pública, o que não faltava, era processo. Havia até uma
estatística de que o setor precisaria dar vazão a algo como 60 processos por
dia, para que se mantivesse sem acúmulo. Sendo estatística para controle de qualidade
uma coisa rara no serviço público, o simples fato de haver uma meta já era
considerado uma grande inovação no início dos anos 2000.
O
setor contava apenas com duas pessoas (ambos nomes fictícios): uma técnica, a
Hermenegilda e seu chefe direto o Lucrécio – um professor indicado em cargo
administrativo, um cargo de confiança. Lucrécio
era um engenheiro de edificações muito competente que, ao fim da carreira na
indústria, fez seu mestrado e foi aprovado para a docência. Havia um pequeno inconveniente - ele não tinha
didática alguma! Talvez sua idade não
ajudasse em aprender novas formas de ensinar.
O fato é que foi alvo constante de reclamações de alunos junto à
coordenação. Após um tempo de sofrimento
dos alunos, um pró-reitor o indicou ao cargo administrativo. Sua experiência em gestão na indústria o fez
organizar o setor e o tirou da sala de aula. Ganha-ganha.
Chegamos,
então, no problema. Hermenegilda era uma
técnica com mais de dez anos na UEBA. No melhor dos dias, ela dava vazão a
vinte processos, o que mal era o suficiente para o básico, como folha de
pagamento, manutenção, etc. Os demais
processos iam meramente se acumulando. Com
muito jogo de cintura, Lucrécio conseguiu uma vaga de um concurso recente e
chegou uma nova técnica – Josefina (nome fictício). Josefina chegou ao setor com o ânimo do
funcionário recém-contratado (não contaminado). Era muito inteligente e em
pouco tempo dominava a burocracia, conseguindo números como oitenta processos
por dia! O setor estava dando vazão aos
processos rapidamente e, em menos de seis meses o número de processos atrasados
seria zero. Hermenegilda, por outro
lado, mantinha sua constância. Até
reduziu sua média de processos, pois “Josefina trabalha tão bem, não é?”.
Na
verdade, o desempenho do setor estava tão bom, que chamou a atenção da reitoria
e, com quatro meses da presença de Josefina, foi criado um novo cargo de
supervisor de processos, ganhando uma bonificação no salário e haveria a
contratação de um novo técnico para manter dois servidores no setor. Uma bonificação pelo bom desempenho seria
muito salutar. Inexplicável é o porquê
da necessidade de aumentar um setor que estava dando conta do recado.
Josefina
estava cada vez mais empolgada, pois ela sabia do seu desempenho. Mas no fim, quem recebeu a promoção foi
Hermenegilda. Desapontada, ela foi
conversar com Lucrécio. Este foi simples
e direto. Como Josefina mostrara tanta
competência, o setor não poderia mais viver sem ela! Assim, o nome natural para a supervisão era o
de Hermenegilda, que “deu todo o suporte ao setor em tempos de dificuldade”. Em outras palavras, Josefina foi preterida
por excesso de competência.
Após
uns seis meses, veio o novo técnico.
Hermenegilda já não trabalhava mais com processos; apenas com
indicadores. Josefina, por sua vez, teve
uma perda de desempenho desanimadora.
Seu indicador de processos por dia mal chegava a vinte e cinco processos
e o acúmulo de processos pendentes tinha voltado a crescer.
Da
última vez que eu tive notícias, Josefina tinha passado em outro concurso e
mudado de instituição. Hermenegilda continuava por lá, ainda supervisora. Cinco técnicos já tinham passado pelo setor
e, pasmem, a média de processos era de vinte e cinco! O suficiente para manter a rotina em dia – e
o acúmulo de processos em uma taxa constante.
Nem muita, nem pouca. Algo como 60 processos atrasados por mês. Um valor aceitável para a proeminente UEBA.
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