O FURO

 Uma das primeiras realizações importantes do Projeto SIA foi testar, em voo de um foguete, um sensor desenvolvido com o apoio do projeto.  Para isso, tínhamos que preparar todo o experimento que iria a bordo.  Dentre os diversos itens que compunham esse experimento estava a bateria que garantiria a energia elétrica necessária ao ensaio durante todo o tempo de voo.

Esse item, na verdade, se compõe de um conjunto de 24 células parecidas com as pilhas comuns.  Seriam intermediárias entre a pilha A (aquela antiga mais gordinha) e a AA (mais comuns nos equipamentos de som).  Esse conjunto de células deveriam estar montadas em uma estrutura rígida para resistir ao ambiente de aceleração e vibração do foguete.

Escolhemos fazê-lo em uma peça de alumínio maciço que teria a forma toroidal (parecida com uma rosca doce), com diâmetro externo de 30cm e altura de 10 cm.  Era, portanto, uma peça cara.  Para portar as 24 células seria preciso fazer 24 furos, igualmente espaçados, ao longo de todo o toroide.

Essa furação poderia ser encomendada a alguma empresa especializada em usinagem de precisão.  Entretanto, no intuito de trazer a participação dos institutos que compunham o projeto, foi-nos sugerido solicitar esse serviço de um determinado setor de usinagem especializado.  O mesmo setor onde Cretinílson trabalhava (vide postagem Ama Seca).  O serviço seria feito por uma máquina CNC (operada computacionalmente) e demoraria apenas algumas horas.

Enviamos a peça de alumínio para o tal setor e no dia seguinte recebemos a notícia de que a peça havia sido estragada.  Claro que ninguém gosta de receber uma notícia dessas, mas o revoltante foi o motivo.  Perguntei o que havia acontecido, pois afinal era um serviço bastante simples fazer furos passantes em uma peça de alumínio.  Então, me foi explicado que a máquina CNC havia sido programada e começado a fazer os furos sem nenhum problema.  Quando chegou a hora do almoço, o responsável pela operação da máquina a desligou para ir almoçar.  Quando retornou e a religou e ela começou os furos numa posição defasada de onde havia começado os anteriores refazendo-os.  Em vez de um furo circular eles ficaram com o formado parecido com o símbolo de infinito.  Resultado peça perdida.

Tentando não perder a sanidade, perguntei porque raios ele desligou a máquina para ir almoçar, já que esse tipo de máquina é feita exatamente para trabalhar sozinha, sem a participação humana.  A resposta foi: ele tem ordens para não se afastar da máquina ligada.  Fiquei furioso com a explicação.  Será que a máquina CNC tinha problemas emocionais de trabalhar desacompanhada?  Será que tinha medo de escuro?

É claro que tal argumento não parava de pé.  Se isso fosse realmente necessário, nenhum serviço poderia durar mais do que 4 horas.  Diversas alternativas poderiam ter sido tomadas.  Colocar outra pessoa no lugar do titular ou mesmo que ele atrasasse seu almoço naquele dia.  Mas não – regras são regras.  Mesmo que isso signifique perder todo o serviço e causar prejuízo.  Lembrando da sentença da postagem PRAXE:  A operação foi um sucesso, pena que o paciente morreu.

Esse episódio não se trata apenas de uma total irresponsabilidade para com o serviço que se está prestando.  Lembra muito a postagem Lenda do Banco Pintado.  Talvez a tal ordem de não deixar a máquina funcionando fizesse sentido para alguma máquina antiga que havia no setor.  Mas não fazia mais, para uma moderna máquina CNC (máquina totalmente automatizada).  Talvez a tal orientação já tivesse sido revogada mas, por conveniência, continuava sendo seguida.  Ou talvez, ela nunca tenha existido.

Não sei qual seria a verdade por trás desse comportamento.  Fato é que nunca mais solicitei nada àquele setor.  Tenho certeza de que outros clientes devem ter feito o mesmo, deixando toda aquela infraestrutura improdutiva (prejuízo para a nação que a pagou).

Essa semana recebi uma postagem através do Whatsapp que vai ao encontro desse “causo”.

“Você não será substituído pela tecnologia.  Você será substituído por pessoas que usam a tecnologia melhor do que você”.

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