OPORTUNIDADE PERDIDA

 Em 1988, eu já estava na chefia da subdivisão de controle e estávamos nos preparando para lançar o quarto protótipo do foguete SONDA IV.  Os 3 primeiros lançamentos haviam tido razoável sucesso e isso estava chamando a atenção da imprensa internacional.

Foi nesse ambiente que fui chamado para uma reunião na diretoria do CTA (cuja estrutura era bem diferente da atual).  Essa reunião foi presidida por um civil que vou chamar de Tolentino.  Não o conhecia embora ele ocupasse um cargo de alta gestão dentro do centro. 

A reunião era com a empresa holandesa Fokker Space.  Haviam 2 representantes da Fokker na sala.  Eu não havia recebido nenhuma informação prévia.  Então, estava numa expectativa para saber do quê se tratava. 

Foi o representante da Fokker Space que tomou a palavra e foi bastante direto no que queria.  Disse ele que a Fokker havia feito uma análise de mercado e que, devido à construção da Estação Espacial Internacional, os grandes lançadores estavam envolvidos em transportar pesadas cargas para lá.  Isso abriria espaço para o mercado de veículos menores e muito mais baratos que pudessem atender a uma demanda de experimentos que não necessitassem entrar em órbita ou que fossem de massa reduzida.

Também disse que via o SONDA IV como um veículo capaz de atender essa demanda e que estimavam um mínimo de 1 lançamento por ano para viabilização desse tipo de operação.  Assim, eles queriam comprar o SONDA IV.  Ao ouvir aquilo, me enchi de orgulho.  Estaríamos conquistando um espaço no mercado europeu e, melhor ainda, por iniciativa deles.

Entretanto, foi chocante ver a reação de Tolentino.  Ele tranquilamente disse que isso não seria possível pois a legislação não permitia que o nosso projeto fosse vendido.  O representante da Fokker então ofereceu alternativas.  Não precisaria vender o projeto, poderia vender o veículo e o lançamento ou mesmo vender o direito de produção.  Tolentino continuou impávido ao dizer que não era possível, colocando a culpa na legislação.  O representante da Fokker ainda fez mais uma tentativa, perguntando se não poderiam passar o projeto para uma empresa brasileira e ela faria então o trabalho.  Mais uma vez Tolentino não deu a mínima para os rogos do seu interlocutor e simplesmente disse que não era possível.

Eu vi em Tolentino um total desinteresse pelo que estava acontecendo diante de si.  Não vi nele nenhum esforço em buscar uma solução.  Não sei dizer se era simples incompetência ou se ele acreditava mesmo que não podia fazer nada.  A impressão que me deu é que ele queria se livrar daquelas pessoas e conseguiu.  Os representantes da Fokker foram embora e nunca mais se ouviu falar disso.

Eu vi naquele momento uma grande oportunidade perdida.  Algo que poderia mudar completamente nosso programa espacial, que começaria a produzir recursos financeiros já nos primeiros passos.  Entretanto, aquele episódio passou em branco como se fosse indesejado.  Será que Tolentino havia recebido ordens de se livrar daquela proposta ?  Por qual motivo ?  Será que a legislação da época (que era bem mais flexível do que a atual) realmente não permitia nenhum tipo de composição que pudéssemos comercializar nosso foguetes ?

Já faz mais de 35 anos desse episódio e hoje ouço falar que o programa espacial brasileiro PEB sucumbiu por falta de verbas.  Isso é apenas uma verdade parcial.  Ninguém fala de episódios como o descrito nessa postagem.  A legislação é uma grande camisa de força no desenvolvimento do PEB.  Recentemente, ouvi de um ex-diretor do INPE que a burocracia atual é esquizofrênica.  Não apenas concordo com essa avaliação como também acrescento:  sendo operada por alguns que conheci (vide postagem possessão burocrática) torna-se uma loucura completa.  São regras de um jogo que foram feitas para você perder o jogo e não ganhá-lo. 

“Burocracia: A Arte de converter o fácil para o difícil através do inútil.” Desconhecido

 

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