PASSANDO O BASTÃO

 Quando decidi pedir aposentadoria, sabia que precisaria passar o meu cargo de chefia para alguém.  Se assim eu não fizesse, meu sucessor seria designado ou pela chefia da divisão ou por algum órgão da diretoria do IAE.  Eu não considerava essa hipótese por achar injusta com a equipe e como um ato de irresponsabilidade de minha parte.

Assim, com antecedência de meses, preparei meu substituto.  Ele trabalhava na equipe fazia muitos anos e havia sido meu orientado de mestrado e, parcialmente, do doutorado.  Tinha um temperamento bastante diferente do meu e eu via nisso uma qualidade para assumir o cargo.   Seria salutar para a equipe.  Após quase 27 anos como chefe da subdivisão de controle, estava na hora de alguém com uma nova visão e perspectivas. 

No dia 07 de março de 2014 reuni toda a equipe, incluindo os bolsistas, em nossa sala de reuniões. Assim, na presença do chefe da divisão passei a chefia da subdivisão.  Nesse momento fiz um pequeno discurso.  Um resumo das lutas e vitórias alcançadas durante todos aqueles anos na liderança do grupo.  Também mencionei aquilo que não conseguimos fazer e desejei boa sorte ao meu sucessor.  Fiz questão de terminar aquela fala com um texto bíblico do apóstolo Paulo “combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé” 2Timóteo 4:7. 

Não queria apenas o conteúdo espiritual do versículo mas sua aplicação prática ao que vivi ali.  Foi, de fato, uma luta muito grande contra toda tipo de empecilho.  Aqueles que deveriam ajudar a cumprir os objetivos institucionais eram os que mais se opunham a isso.  Quantas vezes fui tentado a desistir e dizer “danem-se”.  Quantas vezes fui acusado e desafiado e enfrentei cada acusação e cada desafio.  Depois de tudo, eu havia completado minha carreira e mantido minhas convicções e integridade.  Sim aquele texto descrevia muito bem minha vida profissional no IAE.

Meu chefe, que estava presente, agradeceu e encerrou a reunião.  Não me lembro de ninguém ter falado nada.  Não sei o que acharam do meu discurso.  Não houve comentários posteriores.  Mas tenho certeza de que tenha calado fundo no coração daqueles que vivenciaram comigo tantas lutas e desafios.

14 meses após esse evento, saiu minha aposentadoria.  Até lá continuei como gerente do Projeto SIA por mais 8 meses e também passei o bastão.  Depois ainda passei 4 meses na Alemanha, fazendo um projeto de pesquisa no DLR de Bremen (agência espacial alemã) e finalmente ficar aguardando o “check-out” do instituto.  Claro que aconteceram mais alguns “causos” que serão relatados nas próximas postagens.

Já faz 10 anos desse episódio e tenho orgulho em descrevê-lo.  Foram 30 anos de muita dedicação, de alegrias e frustrações.  Mas consegui concluir a carreira sem me deixar dominar pela “cultura” que, paulatinamente, se estabeleceu lá (não era assim quando entrei em 1985).  Nunca deixei que interesses pessoais se sobrepusessem à ética.  Busquei sempre os interesses institucionais.  Além disso, procurei denunciar todo malfeito que tive contato.  Sei que, por isso mesmo, não saí da organização querido.  Mas qual seria a alternativa ?  ser conivente ?  Jamais! Eu de fato combati o bom combate e guardei a fé.

Não confunda derrotas com fracasso nem vitórias com sucesso. Na vida de um campeão sempre haverá algumas derrotas, assim como na vida de um perdedor sempre haverá vitórias. A diferença é que, enquanto os campeões crescem nas derrotas, os perdedores se acomodam nas vitórias.

Roberto Shinyashiki

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