TEMPO VERBAL
Uma vez que meu processo havia saído do instituto e ido para o departamento de pessoal civil da aeronáutica, o próximo passo era homologar a contagem de tempo de serviço. Acontece que eu já havia feito meu trabalho de casa e conseguido um acórdão do TCU sobre a contagem do tempo em que passei como militar durante a graduação no Instituto Militar de Engenharia. Entretanto, embora o documento apresentado fosse incontestável, o processo não andava.
Procurei, então, saber
o nome da pessoa que estava cuidando do processo e descobri não apenas o seu
nome Selêucia (nome fictício) como também seu telefone. Passei a ligar toda semana em dias e horários
diferentes. Selêucia não atendia ou
alguém dizia que ela não estava. Até que
finalmente alguém abriu o jogo. “Ela tem
saído mais cedo pois está com problema com a filha” disse a pessoa que atendeu
o telefone. Agradeci e desliguei
indignado.
Como assim tem saído
mais cedo ? O tempo verbal no pretérito
perfeito composto do indicativo indicava uma ação que começou no passado e
perdurava até hoje (ou seja, um hábito).
O abuso pelo não trabalho tinha 2 agravantes. 1 – o expediente deles era de apenas 6 horas
diárias (não sei o motivo) e ela ainda saía mais cedo; 2 – pela idade de Selêucia, sua filha seria
adulta com talvez mais de 30 anos, não deveria precisar de uma tutora.
Como eu já sabia que
isso, com certeza, era conhecido e tolerado pela chefia, nem pensei em denunciar
Selêucia. Se o fizesse, muito provavelmente,
eu seria retaliado e não conseguiria me aposentar. Assim, tracei uma estratégia bem
diferente. Fui pessoalmente ao Rio de
Janeiro , no prédio em que ficava o departamento de pessoal civil, para visitar
um brigadeiro meu amigo que chefiava um outro departamento. Assim, aproveitei a “oportunidade” para visitá-la
em seu habitat.
Me apresentei e
perguntei se podia ajudar em alguma coisa.
Selêucia teve a coragem de dizer que estava pensando em encaminhar meu
pedido de averbação ao Exército para sua validação. Tal proposta era um absurdo pois já havia um
parecer do TCU. Além do mais, tal
encaminhamento teria que ser feito através do Ministério da Defesa (ou seja,
levaria meses ou anos). Procurei saber
então qual o motivo dela querer fazer isso.
Ela queria que alguém assinasse aceitando o documento. Perguntei porque o seu assessor jurídico não
o fazia. Então fiquei sabendo que,
simplesmente, ela não o havia encaminhado a questão. Sua incompetência ficou tão escancarada que
na semana seguinte estava tudo resolvido.
Esse episódio foi só
mais um entre muitos, já descritos nesse blog, em que funcionários irresponsáveis
e incompetentes vivem suas vidas tranquilamente, infernizando as vidas de quem
deveriam servir (se intitulam servidores públicos) com a leniência de suas
chefias. Mas o que me chamou a atenção
foi o tempo verbal. Não foi a primeira
vez que isso havia acontecido. Basta
lembrar a postagem Nero. O próprio
responsável por uma ação danosa ao instituto, uma vez questionado formalmente
por mim, respondeu : teria sido destruído...
Foi ou não foi ? Mais vez um
sofisticado tempo verbal foi utilizado para não dizer absolutamente nada!
Até nosso português,
uma língua tão rica, que possibilita a expressão precisa de sentimentos, ações
e acontecimentos, é utilizado para mascarar o mal feito e o mal feitor. Para esses eu deixo um alerta igualmente
sofisticado.
Conheço as tuas obras,
que nem és frio nem quente; oxalá foras frio ou quente!
Assim, porque és morno,
e não és quente nem frio, vomitar-te-ei da minha boca.
Apocalipse 3:15-16
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