COPO D’ÁGUA

Em novembro de 2012, eu e uma equipe, fomos visitar uma empresa de sensores especiais numa cidade chinesa chamada Chongquim.  Foi uma experiência muito marcante.  A primeira coisa que me impressionou foi o tamanho da cidade de 32 milhões de habitantes.

Ficamos em um hotel 5 estrelas e já na manhã seguinte outra surpresa.  Embora o buffet de café da manhã fosse grande e diversificado, eu não conseguia ver nada que me agradasse.  Notei especialmente que não havia nenhum laticínio.  Não havia nenhum tipo de queijo, nem manteiga, nem yogurt – nada.  Então, tive um pensamento um tanto preconceituoso: será que comeram todas as vacas e não sobrou nada para fazer derivados de leite ?  Somente quando retornei ao Brasil é que fiquei sabendo (não verifiquei) que a população daquela região tem um problema enzimático que os impede de comer derivados de leite.  Por isso, não comercializam.

Quando saímos do hotel para trabalhar, comecei a sentir outros efeitos regionais.  Devido a algum tipo de alimentação, comecei a ter uma vontade incontrolável de fazer xixi.  Nem consegui chegar na empresa e tive que pedir para o transporte que nos levava para parar em algum comércio para urinar.  Paramos em um conglomerado de lojas e descobri que não havia banheiro público disponível.  Com muito custo e implorando em uma loja, me permitiram acesso a um local cuja sujeira é melhor não descrever aqui.  Não havia privada, obviamente.  Somente um buraco no chão.  Foi suficiente para um homem.  Não sei como as damas se resolvem.

A visita à fábrica foi normal.  O problema era com as refeições.  Eu não conseguia olhar para aquilo e sentir vontade de comer.  Havia algumas frituras que pareciam filhotes de Alien e não tive coragem de perguntar do que se tratava.  Comecei a sentir fome.  Felizmente, meus colegas de trabalho estavam sentindo o mesmo e decidimos procurar algum fast-food ocidental em que pudéssemos confiar.  Encontramos um Pizza-Hut.

Ao nos sentarmos fomos atendidos por uma simpática moça à qual perguntei se havia algum refrigerante sem açúcar.  A resposta foi negativa.  Perguntei então se havia algum tipo de suco.  Havia, mas era industrializado e açucarado.  Depois de esgotada as possibilidades, pedi então um copo d’água.  A atendente se retirou com nosso pedido e voltou trazendo meu copo d’água – fervendo !?!   Ao tocar o copo e perceber que era água fervendo, eu a interpelei perguntado se não havia água gelada.  Sua reação foi inusitada.  Ela arregalou os olhos e disse:  cold water ??!!

Sua expressão denotava uma grande surpresa.  Equivalente a eu ter solicitado algum absurdo.  Acho que ela nunca havia recebido um simples pedido de água fresca, pois ela respondeu que não dispunha de água gelada.  Tive que pensar muito rápido para sair daquela situação embaraçosa.  Perguntei, então:  você poderia me trazer um copo com gelo ?  Isso sim ela poderia trazer.  Quando ela trouxe o copo cheio de cubos de gelo, eu virei o copo de água fervendo dentro e, finalmente, pude matar minha sede.

Já naquela época eu conhecia muitos países e nem em minhas viagens à Rússia havia tido um choque cultural tão grande.  Onde um simples copo d’água pudesse gerar controvérsia.  Imaginem aspectos mais sofisticados – diferenças de hábitos alimentares, de comportamento, na forma de se comunicar, na forma de se entreter, etc.  Entretanto, percebi que as virtudes essenciais são comuns.  O respeito pode ser demonstrado de forma diferente, mas existe.  Assim como a amabilidade, honestidade, perseverança etc.

Ou seja, em sua essência, são seres humanos iguais a mim.  Têm os mesmos anseios e os mesmos questionamentos existenciais.  Talvez encontrem respostas em função de sua própria história como civilização.  O fundamental é saber compartilhar aquilo que nos impulsiona, que nos permita caminhar juntos. 

“A vida só pode ser compreendida olhando-se para trás, mas só pode ser vivida olhando-se para a frente”  Soren Kierkegaard


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