OFERECENDO EMPREGO

 Ao final de 1980, já fazia 2 anos que eu estava trabalhando no projeto Roland do IPD, e meu chefe anunciou que havia mais vagas para contratação.  Muito embora eu já vinha observando vários problemas organizacionais (descritos nesse blog) eu ainda mantinha uma enorme empolgação pelos objetivos que estavam diante de mim.  Naquela época eu não tinha maturidade para perceber que, na verdade, estava me afastando dos objetivos e não indo ao encontro deles.

Baseado nessa empolgação e aproveitando a oportunidade de estar eventualmente no IME para fazer as cadeiras do mestrado, resolvi procurar os formandos da divisão de eletrônica para lhes contar da possibilidade de contratação para o projeto Roland.

Ao chegar em frente da sala do 5° ano, esperei o intervalo, e falei com alguns alunos se estariam interessados em uma proposta de emprego.  Foi muito interessante o que ocorreu em seguida.  Ouvi alguém dizer: oferta de emprego! e logo fui cercado por uns 10 alunos.

Eu senti que estava abafando e comecei a descrever os objetivos do projeto na maior empolgação.  Logo alguém me interrompeu secamente perguntando quanto ao salário.  Quando eu falei quanto eu ganhava, metade daquele grupo se desfez imediatamente.  Perguntei aos que ficaram o porquê daquela atitude e a resposta foi fatal.  Todos aqui já têm propostas de emprego para ganhar bem mais do que isso.  Engoli a seco e continuei falando sobre as condições de trabalho (as idas para a Restinga da Marambaia).  Simplesmente fiquei falando sozinho.  Os que ainda haviam ficado simplesmente deram as costas e foram embora.

Fiquei bastante atordoado com o que havia presenciado.  Não se tratava de algum afortunado que encontrou um ótimo lugar para trabalhar, mas todos estavam em situação bem melhor que a minha.  Quando retornei ao meu posto de trabalho, meu chefe me perguntou como havia sido a conversa com os alunos do IME.  Eu respondi de pronto:  eu fui oferecer emprego, mas cheguei a conclusão de que deveria estar pedindo...

Aquele evento era o primeiro indício de que algo não estava certo com minha vida profissional.  O salário era aviltante e as condições de trabalho muito ruins.  Entretanto, eu ainda mantinha a empolgação com respeito aos objetivos daquele projeto.  Além do mais, eu vivia num pequeno mundo sem saber o que  se passava fora dele.  Somente quando percebi que aquela empolgação não me levaria a conseguir algo de concreto em realização profissional é que decidi deixar a organização.

Isso ainda levou mais de 4 anos mas não foi por falta de coragem para tomar uma atitude.  Em 1981 mudei para o projeto ATTMM e isso reacendeu a chama que me fez continuar lutando.  Até que percebi que não importava o quão desafiador fosse o projeto ou se havia ou não recurso financeiro para sua condução.  A forma como a instituição se organizava e, principalmente, suas regras, simplesmente não funcionavam e nem permitia que o resultado fosse diferente.

O episódio descrito me serviu de alerta para esse tipo de sinal que a vida nos proporciona.  Para quem é idealista ou muito obstinado para alcançar algum tipo de objetivo, as vezes não enxerga os sinais claros de que você está se metendo em uma enrascada. 

É preciso nunca deixar de analisar outros aspectos que envolvam nossa vida pessoal e ou profissional.  Se eu tivesse a maturidade que tenho hoje, teria percebido que ninguém desenvolve um trabalho de pesquisa e desenvolvimento sério pagando um salário miserável e em condições de trabalho insalubre.  

Você pode encarar um erro como uma besteira a ser esquecida, ou como um resultado que aponta uma nova direção - Steve Jobs

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