A ENTREVISTA

 No final da década de 90, fui convidado por uma revista mensal sobre temas variados (de grande circulação) para dar uma entrevista sobre foguetes e tecnologia espacial.  A entrevista seria na forma de respostas a uma série de perguntas que o repórter responsável iria me fazer. 

Certamente era uma honra poder participar, mas também uma preocupação.  Já naquela época era corrente que repórteres gostavam de distorcer o que os entrevistados falavam para reforçar suas ideias / conceitos pré-concebidos.  Além disso, o próprio assunto já vinha sendo motivo de críticas na imprensa brasileira (vide postagem Caramuru).

Assim, eu tomei a precaução de condicionar a entrevista à revisão do texto das minhas respostas que seria publicado.  Ou seja, tudo que fosse escrito no meu nome deveria ter sido previamente aprovado por mim.  Me pareceu bastante sensato e foi aceito tranquilamente.

Então o repórter me enviou as perguntas e eu as respondi, com precisão e seriedade, dentro da minha capacidade.  Após uma pequena revisão do próprio repórter eu aprovei o texto das minhas respostas.  Tudo parecia ir bem e fiquei aguardando, ansioso, a publicação da revista.

Quando a revista saiu nas bancas (naquela época não havia versão on-line, somente impressa) eu, imediatamente, adquiri um exemplar.  Qual não foi a minha surpresa quando vi que haviam sido transcritas exatamente as minhas respostas, entretanto, haviam mudado ligeiramente as perguntas !!!

O texto geral ficou sem pé nem cabeça.  As respostas não correspondiam ao que estava sendo perguntado.  Dava a impressão de que eu, ou não entendia bem do assunto em questão, ou era completamente confuso. 

Fiquei furioso, mas não havia nada a fazer.  Eles cumpriram exatamente o que havia sido combinado.  Publicaram na íntegra as minhas respostas.  Porém, mudaram as perguntas.  Mesmo com toda minha precaução, não consegui evitar o problema.

Até hoje fico pensando no que teria acontecido nesse episódio.  Teria sido proposital?  Com que objetivo?  A desconexão entre as perguntas e respostas só trariam descrédito para a revista, não pra mim que era (e ainda sou) um ilustre desconhecido.  Teria sido incompetência do repórter que não viu problema em fazer pequenas mudanças nas perguntas sem perceber que havia mudado seu significado?

Acho que jamais saberei.  Mas uma grande lição de vida ficou.  Mesmo dizendo a verdade mais simples e objetiva ela sempre poderá ser alterada ou deteriorada modificando as perguntas. Modificando a maneira de apresentar essa verdade. 

Me lembro de uma propaganda na televisão, de um jornal famoso, em que aparecia o nariz de alguém e se falava várias realizações daquela pessoa.  “Esse homem acabou com a inflação de seu, país.  Tirou o país da recessão.  Levantou a moral de seu povo. etc”  Só foi dito verdades comprovadas.  Ao final aparece o rosto do indivíduo e era Adolf Hitler.  A propaganda conclui : você pode contar uma grande mentira falando só a verdade. 

Constatei isso claramente.  Basta que você conte a verdade mas não toda a verdade e em uma ordem conveniente e construirá uma grande mentira (hoje chamada de narrativa) ou, simplesmente, mude a pergunta.

Comentários

  1. A mentira é associada à injustiça e ao mal, enquanto a verdade está ligada à justiça.

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