ANTI-TERAPIA
Não se faz ideia de quão complexo é a campanha de lançamento de um foguete. A maioria das pessoas assiste pela televisão a contagem regressiva que parece que começa no 10 e vai decrementando até atingir o zero. Entretanto essa contagem começou muito antes. Pelo menos 24 horas antes.
A contagem regressiva marca as
ações que precisam ser tomadas até o comando de ignição (o zero da
contagem). Uma enorme quantidade de
eventos precisa acontecer e cada um é checado para se passar para o próximo. Todo um procedimento é previamente preparado
para saber o que fazer se algo não sai do jeito que devia ser.
A contagem regressiva tem 3
fases. A primeira (logo no início) se
algo não está correto, interrompe-se a contagem e, quando corrigido, continua-se
ao ponto de onde parou. Numa segunda
etapa, se a contagem tiver que ser interrompida, retorna-se a algum ponto
anterior. Por último (já próximo do
lançamento) se a contagem for interrompida o lançamento é adiado. Essa fase final é totalmente automatizada
pois não há tempo de reação humana para operar a sequência. Depois de pronta é só operar. A questão é construir esse plano de
ação.
Em 1987, tive a oportunidade
de participar do plano de ação do lançamento do SONDA IV, que teve que ser
refeito devido ao aparecimento de um problema em um sensor da malha de controle
(sob minha responsabilidade).
Com o veículo já montado na mesa de lançamento, 2 ou 3 dias antes do lançamento (próximo de se iniciar a contagem
regressiva), ao se fazer a contagem simulada, o sensor em questão apresentou um
nível de ruído acima do permitido. Chamava
a atenção de que, ao ser ligado, estava normal e somente próximo ao lift-off,
acendia uma luz no sistema de monitoração indicando que algo estava fora dos
limites.
Logo no início das discussões
eu percebi que poderia ser algo ligado à temperatura. O veículo já estava exposto ao sol e o
equipamento era ligado 30 minutos antes do lançamento. Parecia simples, naquele momento, passar a
ligar o equipamento apenas alguns minutos antes e tudo ficaria bem. Foi isso que foi feito e o lançamento
aconteceu sem esse problema. Aconteceu outro, que será assunto da próxima postagem.
A questão é que a contagem
regressiva teve que ser refeita por conta dessa “simples” mudança. O acionamento do equipamento passou a estar dentro da contagem automática. Aí é que o bicho pegou. Não havia nada de simples mudar todo um plano
de ação que já havia sido planejado e executado (programado) com muita antecedência. Passamos reunidos muitas horas levantando quais
tipos de problemas poderiam surgir e como abordá-los, caso surgissem.
Acho que nunca tinha
participado de algo tão deprimente. Você
se concentrar em pensar só no que poderá dar errado, juntamente com a
preocupação de não deixar passar nada.
Qualquer evento não previsto poderia ser desastroso. Foi um tipo de terapia ao inverso – uma anti-terapia.
Normalmente, as terapias
orientam a pensar positivo e focar na solução e não no problema. Naquele caso era exatamente o contrário. Estávamos reunidos para pensar em tudo de
ruim que poderia acontecer. Ao concluir
o trabalho, nem consegui dormir naquela noite.
Ficou muito claro que pensar em coisas ruins faz mal, mesmo em se
tratando tão somente de assuntos técnicos.
Quando alguém está em estado
de stress ou burn-out, tem a tendência a pensar negativamente sobre a vida (claro
que existem aqueles que já fazem isso por sua natureza). Ao buscarem tratamento terapêutico, via de
regra, são orientados a pensar em coisas boas.
Alguns dizem que isso seria um autoengano pois não modifica a seriedade
dos problemas. Estão errados.
O episódio que vivi mostrou como
ficar pensando negativamente faz mal, mesmo que não seja a seu próprio
respeito. Além do mais o estado de ânimo
resultante prejudica a capacidade de enfrentar as dificuldades (reais ou
imaginárias).
O profeta Jeremias sabia disso
quando escreveu suas lamentações sobre a destruição de Jerusalém
“Quero
trazer à memória o que me pode dar esperança.” Lamentações 3:21
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