O FANTASMA
Já no final da minha carreira como pesquisador no IAE, eu havia montado um acervo de livros considerável. Os principais livros da área de controle, de processamento de sinais de dinâmica de voo de foguetes e satélites faziam parte desse acervo, que ficavam nas estantes na minha sala.
Qualquer um podia pegar algum
para consulta. Afinal estavam ali pra isso
mesmo. Bastaria que fosse devolvido. Foi nessa toada que um dia, procurei um livro
e não encontrei. Então fui perguntar a
cada um, sala por sala, quem havia pego o livro e todos negaram que tivesse
pego.
Era algo, de certa forma,
inquietante. Naquela época, após o
projeto SIA, ficávamos em um prédio isolado e com controle de acesso. Só pessoal autorizado poderia adentrar e,
ainda assim, sendo monitorado por câmeras externas e internas. Somente o pessoal da minha equipe estava no
prédio por aqueles dias. Ninguém externo
teve acesso ao prédio muito menos na minha sala. Tinha que ser alguém da equipe.
Esse pensamento começou a me
atormentar e aproveitei o momento onde grande parte do pessoal estava tomando
café na copa. Então eu expus a situação e
concluí: “se não foi ninguém então deve ter sido um fantasma!”
No mesmo instante em que falei
isso como um desabafo, me veio à mente que, talvez, a pessoa que pegou o livro
não se lembrasse de ter pego e havia negado tê-lo feito. Devido a pressão que eu estava fazendo,
ficaria envergonhado de admiti-lo e aí é que eu não veria mais meu livro mesmo.
Então tive uma ideia muito
louca. A partir da própria copa, saí
andando pelo corredor do prédio falando bem alto: “fantasma devolve meu livro. Fantasma devolve meu livro. Não precisa aparecer para me assombrar, basta
esperar que eu saia da sala e deixe o livro sobre a mesa”. Eu repeti esse encanto umas 3 vezes enquanto
fui e voltei no corredor do prédio.
Voltei para minha sala para
trabalhar normalmente, sem olhar para o que o grupo reunido na copa estaria conversando. Pode ter sido uma atitude tresloucada, mas o
fato é que, 2 dias depois, o tal livro desaparecido estava em cima da minha
mesa. O fantasma havia me atendido.
É claro que aquela atitude
funcionou porque havia ética nas pessoas que trabalhavam comigo. Perdi muitos livros para fantasmas que
desapareceram. Normalmente, casos como o
desaparecimento de um determinado objeto gera a burocracia de controle de material
e patrimônio que acaba por desestimular o uso para o qual o objeto foi feito.
Ainda assim, quando me lembro
desse episódio percebo como, usando criatividade, você pode conseguir
resultados incríveis. Continuei deixando
todo meu acervo à disposição, sem nenhuma burocracia. Nunca procurei saber quem foi o fantasma e todos
se beneficiaram com isso.
“A visão mais clara muitas
vezes surge do ângulo mais inesperado.”
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