CONCLUINDO O TELHADO

No dia seguinte, após a equipe da Pikaretta ter sido barrada na portaria, o próprio Sr. Pikaretta me ligou.  Estranhamente humilde, ele me pediu perdão.  Achei aquilo um tanto despropositado.  Perdão de quê ?  Se fosse pela qualidade da obra, eu preferia que ele refizesse tudo.  Mas ele estava se referindo ao fato de eu ter me ofendido por ele ter dito que eu não mandava nada.  Ele, de fato, não me conhecia.  Eu não havia me ofendido.  Eu estava sim furioso com o que estava acontecendo com a obra do meu laboratório.  Eu considerava o ocorrido como uma queda de braço à qual eu pretendia ganhar.  Então, eu lhe respondi um tanto rispidamente: “olha Pikaretta você não precisa me pedir perdão de nada, apenas faça sua obrigação de me entregar um prédio bem construído.” 

Eu sabia que não era hora de um conflito em que eu sairia perdendo.  Aquele telhado não podia ser construído com uma estrutura de galinheiro.  Então, eu expliquei para ele que precisávamos chegar a um acordo sobre a construção do telhado pois ele não atendia às minhas necessidades (não cabia o ar condicionado).  Chamei-o para uma conversa em minha sala.  Ele veio, na parte da tarde.

Eu tomei a iniciativa de oferecer uma solução.  Ele se livraria daquelas treliças de madeira (do galinheiro) e eu providenciaria treliças metálicas para substituição.  A partir dali ele concluiria o telhado utilizando telhas calhetão (com 7,2 metros de comprimento) assim não haveria emendas e a estrutura de sustentação seria mais simplificada.  Também tive a oportunidade de lhe dizer, face a face: “Você está acostumado a lidar com gente que não presta.  Comigo a palavra tem valor.  O que combinarmos aqui está valendo.  Se você não a cumprir, não teremos mais nenhum acordo.”  Ele aceitou a proposta. 

Eu pessoalmente fiz um rascunho da estrutura metálica e o encaminhei para uma metalúrgica que revisou e construiu, às custas do projeto SIA.  Pikaretta cumpriu sua parte no acordo e retirou a estrutura de madeira e colocou a metálica em seu lugar.  Não antes de sua equipe quase acabar com o prédio.

As telhas callhetão chegaram antes das estruturas metálicas e precisavam ser içadas para cima da laje.  Isso deveria ser feito com um equipamento especial.  Então, aproveitaram o dia de aluguel do equipamento para retirarem as estruturas de madeira e subirem com as telhas calhetão.  Não parecia nada de mais.  Entretanto, eu não confiava na competência daquela gente e ficava de olho.

Já haviam retirado todas as treliças de madeira e começaram a subir com as telhas.  Nessa hora eu subi na laje.  Para meu horror, eles haviam colocado um apoio de madeira bem no meio do vão da laje e estavam empilhando as telhas, que pesavam 80 Kg cada.  Já haviam empilhado 10 telhas.  O que daria 400 Kg em cada apoio.  A laje havia sido projetada para um máximo de 250 Kg por m².

Comecei a gritar feito louco (o barulho da empilhadeira era muito alto)  Parem!  Vocês vão derrubar o prédio ! Parem !  Finalmente pararam a empilhadeira e ficaram me olhando com aquela cara de – o que é dessa vez ?  Falei grosso com eles: “vocês vão colapsar a estrutura.  Não podem por esse peso pontual no meio da laje.  Tirem isso daqui agora !”  “Vamos colocar onde ?” perguntaram.  Como se fosse alguma idiotice que eu estivesse falando.  Acho que, na cabeça daqueles energúmenos, se a laje deveria suportar o peso do telhado, qual seria o problema ?  Não entediam a diferença de carga distribuída e pontual.  Falei para eles a “brilhante” solução:  “espalhem as telhas ao longo da laje”.  Eu não sei como a estrutura suportou aquela carga - um verdadeiro milagre.  Após mais esse incidente tenebroso, o telhado foi finalmente concluído. 

Eu ficava pensando.  Como uma construtora, que tinha vários contratos naquela organização, conseguia cometer erros tão graves.  Não se tratava simplesmente de buscar maximizar os lucros.  Havia uma irresponsabilidade sobre as consequências do que se estava construindo.  Desde aquela reunião descrita na postagem “Conivente” eu havia percebido que, a começar dos próprios funcionários responsáveis pela fiscalização da obra, não havia a preocupação com o que estava sendo feito.  Se estava sendo bem feito ou não.  Se atendia aos objetivos ou não.  Parecia tudo um perfunctório, que se faz só para constar.  Não é de se admirar que as próprias empresas executoras entrem no mesmo esquema.  Contratam pessoas totalmente inábeis (mais barato) e entregam um castelo de cartas.  Recebem o dinheiro e fica por isso mesmo.

Para concluir aquele laboratório foi uma luta hercúlea, mas que valeu a pena.  

A construção de um legado é feita dia após dia. Quando o guerreiro não possui mais forças para continuar, sua vontade de vencer o mantém de pé.

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