CATEDRAL DE BARCELONA

 Com o fim da construção do telhado, o prédio do que seria o laboratório foi entregue pela Picaretta.  Isso não significa que estivesse concluído, muito pelo contrário.  Não havia janelas apenas seus vão abertos.  Não havia piso apenas o chão em concreto.  Não havia pintura interna apenas parede nua.  Rede elétrica nem pensar.  Ou seja, a obra não tinha nenhum acabamento, mas estava finalizada.  Isso era fruto das medidas e pagamentos comentados na postagem PIKARETA.  A empresa já havia recebido todo o dinheiro para a construção de um prédio e não havia concluído o mesmo.  Agora estava indo embora.  Tudo dentro da lei.

Embora essa situação recorrente seja revoltante, eu estava aliviado de me livrar daquele pesadelo.  Agora eu estaria assumindo o prédio e poderia conduzir seu acabamento com os recursos do Projeto SIA.

A primeira providência seria a preparação das paredes internas para uma pintura especial não aderente ao pó.  Também solicitei a cotação de janelas termo-acústicas (eram ao todo 20) que garantiriam o isolamento acústico do laboratório bem como a estabilidade térmica. 

Quando a empresa responsável pela produção das janelas veio tomar as medidas, descobriu-se que as aberturas para as mesmas não apenas não estavam em esquadro (formando 90°) como também tinham todas dimensões diferentes entre si.  Como se isso não bastasse, ficou claro que a espessura da parede também variava de janela para janela.  Ou seja, as paredes eram verdadeiras sanfonas em espessura.  Não havia nada em linha reta ou corretamente dimensionado.

Lembrei-me então da belíssima Catedral de Barcelona que tive a oportunidade de visitar.  As paredes lá fazem curvas.  Na verdade, acho que não tinha nenhuma em linha reta.  Só que lá é pura arte.  Aqui era pura incompetência.  A solução que encontrei foi pedir à empresa que faria a pintura que também refizesse o esquadro das janelas por dentro.  De forma que o efeito Barcelona não fosse visto pelo lado de dentro. 

O objetivo era fazer com que o laboratório fosse uma grande sala limpa.  Assim, o ar-condicionado, que ficou sobre a laje, teria como função controlar temperatura, humidade e partículas em suspensão.  Além disso, foram instaladas luminárias de sala cirúrgica, tintas especiais nas paredes e chão de poliuretano.  Apesar das forças contrárias, ficou tudo muito bonito.

Com a chegada dos equipamentos (um montante total de aproximadamente 4 milhões de dólares) o laboratório, que recebeu o nome de LINCS (Laboratório de Identificação, Navegação, Controle e Simulação), ficou supimpa – único no Brasil.  Nós havíamos conseguido o que parecia impossível.  Transformamos uma obra de favela em nossa própria catedral. Até aquele momento, era o maior feito em minha carreira profissional. 

Foi inaugurado em fevereiro de 2011, com pompa e circunstância e a presença do ministro da Ciência e Tecnologia.  Claro que não faltou quem se aproveitasse politicamente do momento.  O diretor do INPE, que era apenas um convidado, tomou a palavra para explicar os objetivos do laboratório.  Destaca-se o fato dele nunca ter estado lá (nem antes, nem depois) mas comportou-se como sendo o responsável pelo mesmo.  Todos conhecem o ditado que diz “filho feio não tem pai”.  Naquele momento, eu criei uma extensão para ele: “e filho bonito tem família grande”.

Fiz questão de colocar uma enorme faixa na parte de cima da entrada do laboratório (acho que não está mais lá) que retratava, de forma sintética, a luta que foi chegar até aquele momento:

“As realizações dos homens tornam-se mais notáveis quando se leva em conta as limitações sob as quais trabalham”   Thornton Wilder

Também deixei uma placa de inauguração cravada na parede, em homenagem a todos os que participaram da construção do LINCS.  Nela está escrito:

O sucesso nasce do querer, da determinação e persistência em se chegar a um objetivo. Mesmo não atingindo o alvo, quem busca e vence obstáculos, no mínimo fará coisas admiráveis.

José de Alencar

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