AMA SECA

Durante a ausência de Carabino, apareceu outro candidato ao cargo de operador da bobinadeira.  Vou chama-lo de Cretinílson.  Ele era funcionário de outro instituto e trabalhava em um setor de máquinas de usinagem automática.  Cretinílson me procurou dizendo que gostaria de se transferir, de onde já trabalhava fazia alguns anos, pois não era levado a sério e não via perspectivas em seu futuro lá.  Como eu conhecia sua chefe liguei para ela para saber quem era Cretinílson e qual seria o verdadeiro motivo de seu desejo de se transferir de lá.  Ela me disse, basicamente, o mesmo que ele me havia contado: que estava sem muitas perspectivas de trabalho ali e que era um bom sujeito.

Cretinílson realmente parecia um bom sujeito e, além do fato de que tinha uma expertise adequada à necessidade do projeto, ele morava dentro do campus do CTA.  Isso era uma novidade muito positiva pois, em tese, permitiria uma boa dedicação ao trabalho.  Assim o aceitei no grupo.  Entretanto, não solicitei sua transferência, pois as experiências anteriores haviam me deixado cético com relação à essas “mudanças de ares”.  De imediato ele foi incluído como participante do projeto SIA e o enviei a Suíça, por uma semana, para treinamento de operação da bobinadeira.

Assim que Cretinílson voltou da Suíça ele me procurou com a seguinte conversa.  Sua esposa tinha lhe dado um filho fazia 4 meses e a licença maternidade dela estava para acabar (ela trabalhava na iniciativa privada).  Assim que ela voltasse ao trabalho, ele pretendia ficar em casa para cuidar do filho e que estaria disponível para ser chamado quando fosse necessário. 

Naquele momento entendi tudo.  Eu havia caído em um golpe muito bem planejado.  Não discuti com ele.  Lhe disse que sua proposta era inaceitável e que ele deveria se apresentar ao seu antigo trabalho imediatamente.  Assim que ele saiu da minha sala, liguei para sua chefe e soltei os cachorros nela.  Descrevi o golpe que ele estava tentando dar e que não passava de um canalha.  Falei que ela o recebesse de imediato pois eu não pretendia entrar com nenhum processo disciplinar contra ele.  Eu já estava farto de denunciar todo tipo de safadeza e nada acontecia (a não ser um total desgaste emocional e perda de tempo).  Nunca mais o vi nem tive notícias. 

A situação descrita é ultrajante.  O sujeito mora dentro do campus.  Tem toda a proteção e cuidado do serviço público para que possa se dedicar ao trabalho.  Em vez disso ele planeja ficar em casa cuidando do filho em vez de trabalhar.  Enquanto sua esposa que trabalha na iniciativa privada, coitadinha, tinha que voltar ao trabalho se quisesse continuar a receber salário (que cruel).  Ela é obrigada a seguir as leis, ele não.  Para isso, ele elabora um plano de se fazer de vítima, ganha uma viagem ao exterior e depois dá o golpe.  Não pretendia ir trabalhar, passaria a ser a ama seca de seu filho.

Preferi assumir o prejuízo do custo da viagem de uma semana no exterior do que ser conivente com uma cretinice dessa.  Se fosse para ficar uma semana cuidando de um filho doente é uma coisa.  Ficar meses fora do trabalho esperando seu filho crescer enquanto sua esposa trabalha fora é completamente fora de questão.  Esse foi mais um episódio de cidadãos que veem no serviço pública a vaca sagrada de divinas tetas.

A ética dessas pessoas é em prol das suas conveniências.  Para elas não existe certo ou errado, justo ou injusto e sim o que é conveniente ou não para elas naquele momento.  Não estão preocupadas com o prejuízo que suas condutas possam causar. 

É necessário cuidar da ética para não anestesiarmos a nossa consciência e começarmos a achar que tudo é normal.  Mario Sergio Cortella

Ai dos que chamam ao mal bem e ao bem, mal, que fazem das trevas luz e da luz, trevas, do amargo, doce e do doce, amargo!  Isaías 5:20

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