AS BATATAS
Em 1992, em minha primeira viagem à Rússia, fomos convidados a participar de um jantar com o vice-cônsul brasileiro em Moscou. Era um jovem bastante empolgado com o que fazia. Falava fluentemente russo e gostava tanto de estar lá que já havia comprado uma “datcha” (pequeno sítio) em uma cidadezinha do interior.
Foi ele que, inicialmente, nos disse: a Rússia não é um
outro país, é um outro planeta. Estava
ele querendo nos alertar das profundas diferenças culturais que havia entre
nós. Foi durante esse jantar que ele nos
contou esse episódio, no mínimo, pitoresco.
Perto da pequena cidade onde ele havia comprado sua datcha,
havia uma grande fazenda comunitária (não havia propriedade privada até
então). Quando houve a queda do Muro de
Berlin e, em sequência, o fim do regime comunista, os trabalhadores abandonaram
aquela fazenda imediatamente.
Acontece que, quando isso aconteceu, aquele campo já havia
sido preparado com uma grande plantação de batatas. O que faltava era por conta da natureza. Assim, alguns meses depois a plantação já
estava pronta para a colheita. Mas não
havia ninguém para fazê-lo e as batatas iriam apodrecer no solo.
A prefeitura local colocou então alguns veículos com
sistema de som para anunciar à população o que estava acontecendo. Avisavam que quem quisesse poderia ir até lá e
pegar quantas batatas quisessem – de graça.
Afinal elas iriam se perder de qualquer maneira. Os veículos percorreram a tal cidade e
circunvizinhanças diversas vezes alertando a população. Mas ninguém foi.
Até que um grupo de Azerbaijanos, ouvindo sobre o que
estava acontecendo, arranjou alguns caminhões emprestados e foram até a fazenda
e voltaram entupidos de batatas – as quais venderam para toda a população da
cidade. Os habitantes estavam, na
verdade, muito satisfeitos em comprar um produto fresquinho e próximo de casa. Ou seja, pagaram por aquilo que podiam ter
gratuitamente, se tivessem tido atitude.
Naquele momento, o episódio soava como engraçado. Algum tipo de piada. Entretanto, com o passar do tempo (maturidade)
e com minhas muitas visitas à Rússia, percebi que não de tratava de algum tipo
de estupidez coletiva. Na verdade, vejo
hoje que vinha de um sentimento que não consigo rotular. Daqueles que são oriundos do esgoto da alma.
Aquela gente via aquela fazenda como uma espécie de verdugo
que os estava a torturar há anos. Estar lá
lhes trariam a memória lembranças horríveis que preferiam esquecer. Talvez quisessem que tudo pegasse fogo e
levasse junto as lembranças. Preferiam
deixar que tudo apodrecesse como se fosse algum tipo de vingança por tudo que havia
sofrido. Mesmo que essa vingança lhes
causasse igual mal.
Entretanto, aqueles Azerbaijanos tiveram uma atitude muito
diferente. Não deixaram que o mal que
juntamente sofreram lhes maculassem a alma.
Aproveitaram a oportunidade para começar uma nova vida. Ganharam um bom dinheiro e prestaram um
excelente serviço à comunidade (e até a natureza). Que lindo jeito de se vingar.
Cabe uma pergunta universal: como você reage quando é
tocado pelo mal ? Se deixa ser destruído
? Se transforma no próprio mal que o tocou ?
Permite que aquele mal continue a consumi-lo por dentro ? Ou você, como aqueles Azerbaijanos, não
permitem que o mal entre em seus corações e saem fortalecidos ? Quero ser como os Azerbaijanos.
“esquecendo-me das coisas que para trás ficam e
avançando para as que diante de mim estão, prossigo para o alvo,
para o prêmio da soberana vocação “
Filipenses 3:13-14
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