PhDeus
Ouvi essa expressão pela primeira vez, quando comecei a
trabalhar no IAE em 1985. Era uma referência
jocosa e ao mesmo tempo censuradora ao título de PhD.
PhD (Philosofiae Doctor) é o título de pós-graduação equivalente
ao doutorado no Brasil. Era utilizado em
grande parte das universidades estrangeiras e remete ao tempo que todo o estudo
mais rebuscado seria um ramo da filosofia.
Atualmente, vários países já deixaram essa designação e adotaram o
título de Doctor of Science, sem conexão com a filosofia.
Acontece que, como PhD se referia a um título no exterior, dava
mais status para quem o possuía do que simplesmente Doutor em Ciências. Mas a crítica não se referia apenas à vaidade
ou ao orgulho de obter um título importante (isso seria perfeitamente
compreensível). Havia uma modificação no
comportamento de quem era enviado ao exterior para fazer doutoramento.
A alcunha de PhDeus se referia àqueles que, ao retornarem
com o título de PhD, passavam a ver os demais engenheiros como inferiores e começavam
a se achar o “rei da cocada preta”. Via
de regra, rebelavam-se contra seus chefes não aceitando as tarefas que lhe eram
designadas por as considerar inferiores à sua importância. Queriam escolher o que fazer mesmo que isso não
correspondesse aos objetivos institucionais. Essa tensão costuma resultar em pedido de transferência
do próprio indivíduo para outro departamento onde ele teria a liberdade que
pleiteava. Quem perdia era a própria
instituição que havia investido nele e agora não teria retorno.
Por esses e outros comportamentos arrogantes se achavam
deuses, ou melhor PhDeuses. Interessante
destacar é que a produtividade desses deuses estava muito longe de sua
divindade e sim próximo ou mesmo abaixo da ralé humana que os cercava.
Ao longo dos 30 anos que passei naquele instituto presenciei
o aparecimento de alguns casos de PhDeuses.
Isso me fez ficar alerta para com os membros da minha própria
equipe. Com uma equipe sempre pequena não
poderia me dar ao luxo de mandar alguém, por 3 ou 4 anos, para o exterior fazer
doutoramento. Entretanto, tive alguns
que fizeram doutorado sanduiche, ficando um ano no exterior.
Até que um deles voltou com a tal síndrome de divindade. Logo que retornou, ao receber os primeiros
encargos, procurou o chefe da divisão para dizer que ele queria ser um
pesquisador e eu estaria impedindo. Ele
se referia a uma bolsa oferecida pelo CNPq chamada de produtividade de pesquisa,
que eu tinha. Como o próprio nome
indica, o candidato a esse tipo de bolsa deve demonstrar produtividade. Ele acabara de chegar do exterior e não tinha
nada a apresentar a não ser o título.
Cheguei a propor um projeto FAPESP em conjunto com ele (que
foi aprovado) mas que não foi o suficiente para apaziguar sua insatisfação. Atitude típica de PhDeus. Infelizmente, ele acabou por deixar a
instituição e foi trabalhar no setor privado.
Não sei se utilizou seus recentes poderes divinos.
Lamentei muito sua saída pois o considerava um profissional
dedicado e competente. Jamais imaginaria
que pudesse se transformar em PhDeus.
Nunca entendi esse mecanismo de transformação. Será que aprender outro idioma faz alguém se
sentir tão importante? Poderia ser baixa
autoestima e viver em outra sociedade traria uma maneira diferente de ver seu
compromisso com a instituição que investiu em sua formação? Talvez estivesse com uma sensação de que o mérito
foi todo seu ao conseguir o título e esquece que foi para isso que foi mandado
lá. Ou seja, não fez mais que sua
obrigação.
Na minha visão, o indivíduo que é mandado ao exterior, às custas do estado, para estudar, deveria ser grato pela oportunidade e se esforçar ainda mais para ajudar o país que o apoiou. É claro que esse raciocínio não se aplica a oportunistas que estão no serviço público exatamente para se aproveitar de oportunidades. É importante destacar que também conheci diversos outros que, ao voltarem do exterior com seus títulos de PhD, não apenas continuaram fiéis aos objetivos como tornaram-se ainda mais produtivos.
Muitos são orgulhosos por causa daquilo que sabem; face ao que não sabem, são arrogantes.
Se alguém julga saber alguma coisa, com efeito, não aprendeu ainda como convém saber. 1 Coríntios 8:2
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