DECISÃO POLÍTICA

 Após todo o estresse descrito da postagem anterior (anti-terapia), finalmente chegou o dia do lançamento.  Eu estava, na sala de operações que monitorava tudo o que acontecia no foguete.  Era lá onde toda a sequência de eventos e a contagem regressiva era monitorada e operada.

O evento era revestido de importância.  Na plataforma de visitantes estava o próprio presidente da República além de diversas autoridades.

Já durante a contagem regressiva, mas antes de iniciar a contagem automática, acendeu uma luz vermelha piscante na tela de um dos computadores.  Era sinal de problemas.  O responsável dessa operação, o Engenheiro Gines Garcia (morto na tragédia de 2003), verificou que havia indicação de despressurização do segundo estágio.  Sem a pressurização, o motor não entraria em operação após o comando de ignição.

Para consertar o problema seria necessário que fosse desmontado aquele estágio.  Ou seja, o lançamento deveria ser adiado.  Então Gines pegou o telefone interno e ligou para o gerente geral o engenheiro Jayme Boscov (falecido em 2020) e relatou o que estava acontecendo.  Eu estava presente, apreensivo é claro, aguardando o que seria feito.  Gines então repetiu a ordem que havia recebido: o presidente está na rampa, lance assim mesmo.  Ou seja, uma decisão política.

Isso implicaria que não teríamos o voo completo, somente o voo do primeiro estágio.  Para entender o impacto disso, é preciso saber qual era a finalidade do lançamento.  O programa SONDA IV visava a qualificação de diversas tecnologias que seriam utilizadas no VLS.  Era um programa muito bem planejado.  Cada lançamento ia agregando novas tecnologias.

O segundo estágio em si já era uma tecnologia dominada.  Os voos do SONDA IV visavam, primordialmente, a qualificação do motor do primeiro estágio bem como a forma de controlá-lo.  Também havia outras tecnologias que eram testadas em cada lançamento.  Para esse terceiro lançamento, estaria sendo testada a estratégia de basculamento.  Essa, posteriormente, seria utilizada para o apontamento do último estágio do VLS.  Assim, o principal prejuízo seria perder o experimento de basculamento (que havia custado caro e dado muito trabalho).

O lançamento aconteceu e as autoridades o aplaudiram.  Nem ficaram sabendo da perda que havia ocorrido (fora de alcance dos olhos) devido à suas próprias presenças ali.  A frustração das equipes foi enorme e a indignação com a decisão política de se lançar o veículo mesmo sabendo que falharia.

Se a decisão política visava proteger o projeto ao manter a satisfação das autoridades, o tempo mostrou que foi inútil.  O programa VLS perdeu o interesse do governo do mesmo jeito.  Se a decisão era para proteger a imagem pessoal ou corporativa, eu jamais soube.

O que me parece que toda decisão política se opõe às decisões técnicas.  A questão é quem será o responsável pelas consequências.  Para o programa VLS as consequências não foram realmente grandes.  Mas sabemos de exemplos trágicos.

Em 1986 (ou seja, 1 ano antes), havia acontecido a tragédia do Challenger que explodiu logo após a decolagem matando toda a tripulação.  A investigação séria, que aconteceu após, mostrou que os engenheiros haviam alertado que a temperatura ambiente estava abaixo da especificada e que isso trazia um enorme risco às juntas dos motores.  Entretanto, foi tomada uma decisão política de lançar pois havia uma grande expectativa de uma aula em órbita para crianças.  Não sei quais as consequências para os que tomaram essa decisão.

Uma coisa ficou clara para mim, durante a minha carreira, toda vez que você toma uma decisão baseada e outros critérios que não aqueles que te trouxeram àquela situação, a chance de dar errado ou trazer algum prejuízo é enorme.  Critérios como agradar alguém ou não desagradar alguém, ou ficar bem na fita, ou parecer ser legalzinho, normalmente levam a atitudes incorretas com consequências desagradáveis ou até trágicas.

Você não é produto das circunstancias, você é produto das suas decisões.  Viktor Frankl

Comentários

  1. Aprendi que, sempre que decidimos para agradar ou evitar desconfortos — em vez de seguir os critérios corretos — a chance de erro e prejuízo aumenta mesmo e muito. Manter o foco no que realmente importa é o que garante boas decisões.

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